24

A direção do zoológico Marah Land, na Faixa de Gaza, decidiu pintar dois burros com listras pretas para que ficassem parecidos com zebras numa tentativa de atrair visitantes ao local.

O zoo perdeu muitos animais durante a ação militar israelense contra o território palestino em janeiro. As duas zebras que o zoológico tinha morreram de fome.

Para tentar atrair visitantes, a direção contratou um pintor profissional que usou tinta para cabelo e fita adesiva para pintar os animais com listras e fazer os burros parecerem zebras.

Segundo o gerente do zoológico, Nidal Barood, a decisão de pintar os animais foi tomada porque seria muito caro comprar duas zebras novas.

[…]

A direção afirmou que o “disfarce” deu certo e as crianças gostam da nova atração do zoológico.

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 [No Japão,] os pauzinhos têm muitas outras funções, além da de transportar a comida do prato à boca (que é a menos pertinente, já que é também a dos dedos e dos garfos), e essas funções lhes são exclusivas.
     Primeiramente, os pauzinhos – sua forma já o diz – têm uma função dêitica: eles apontam a comida, designam o fragmento, determinam o existir do alimento pelo gesto mesmo da escolha (como o dedo indicador). A partir daí, no entanto, a ingestão dos alimentos não segue uma sequência maquinal, na qual os comensais se limitariam a engolir pouco a pouco as partes de um todo. Ao designar o que escolhem (ao escolher isto em vez daquilo), os pauzinhos introduzem no hábito alimentar não uma ordem mas uma fantasia, talvez até uma malícia; uma operação inteligente e não mecânica.
     Outra função dos dois pauzinhos é a de pinçar o fragmento de comida (e não a de agarrá-lo, como fazem os garfos). Pinçar é, aliás, uma palavra forte demais, agressiva demais (é a palavra das mocinhas sonsas, dos cirurgiões, das costureiras, dos melindrosos); pois os pauzinhos nunca imprimem ao alimento uma pressão superior à estritamente necessária para erguê-lo e transportá-lo. No gesto dos pauzinhos há algo de maternal (também, ou ainda mais, por sua matéria – madeira ou laca): ele tem a moderação exata e delicada com que pegamos uma criança; trata-se de uma força (no sentido operatório do termo), não de uma pulsão. Revela-se aí todo um comportamento em relação à comida, ainda mais evidente nos longos pauzinhos do cozinheiro, cuja função é preparar os alimentos sem jamais furá-los, cortá-los, fendê-los, feri-los: os verbos que praticam as duas longas hastes são erguer, virar, transportar.
     Pois os pauzinhos (terceira função), quando têm que dividir, separam, afastam ou apertam, mas não cortam nem agarram, como fazem nossos talheres. Os pauzinhos jamais violentam o alimento: ou o desembaraçam pouco a pouco (no caso das verduras) ou o desfazem (no caso dos peixes, das enguias), redescobrindo assim as fissuras naturais da matéria (e nisso são muito mais próximos de nossos dedos primitivos do que das facas).
     Por fim – e esta é talvez sua mais bela função –, os dois pauzinhos transferem a comida: cruzados como duas mãos, suporte e já não mais pinça, eles deslizam sob o floco de arroz e o suspendem até a boca do comensal; e, num gesto milenar que se repete em todo o Oriente, fazem escorregar a neve alimentar da tigela até os lábios, como uma pá.
     Em todos esses usos, por todos os gestos que implicam, os pauzinhos se opõem à nossa faca (e a seu substituto predador, o garfo): são o instrumento alimentar que se recusa a cortar, a agarrar, a mutilar, a furar (gestos muito limitados, relegados à preparação do prato: o peixeiro que esfola diante de nós a enguia viva exorciza de uma vez por todas, num sacrifício preliminar, o assassinato da comida). Por causa dos dois pauzinhos, a comida já não é uma presa sobre a qual exercemos violência (carnes sobre as quais nos arremetemos), mas uma substância harmoniosamente transferida. Os pauzinhos transformam a matéria previamente dividida em comida para pássaros, e o arroz em fluxo de leite; maternais, eles remetem incansavelmente ao gesto do biscato, deixando aos nossos costumes alimentares, armados de espetos e de facas, o gosto da rapina.

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22

A arte de pensar sem riscos. Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir. Não se convidam amigos para o jogo por causa da cerimônia que se tem em pensar. O melhor modo é convidar apenas para uma visita, e, como quem não quer nada, pensa-se junto, no disfarçado das palavras.

Isso, enquanto jogo leve. Pois para pensar fundo – que é o grau máximo do hobby – é preciso estar sozinho. Porque entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais exige-se muito de quem nos assiste pensar: que tenha um coração grande, amor, carinho, e a experiência de também se ter dado ao pensar. Exige-se tanto de quem houve as palavras e os silêncios – como se exigiria para sentir. Não, não é verdade. Para sentir exige-se mais.

Bom, mas quanto a pensar como divertimento, a ausência de riscos o põe ao alcance de todos. Algum risco tem, é claro. Brinca-se e pode-se sair de coração pesado. Mas de um modo geral, uma vez tomados os cuidados intuitivos, não tem perigo. Como hobby, apresenta a vantagem de ser por excelência transportável. Embora no seio do ar ainda seja melhor, segundo eu. Em certas horas da tarde, por exemplo, em que a casa cheia de luz mais parece esvaziada pela luz, enquanto a cidade inteira estremece trabalhando e só nós trabalhamos em casa mas ninguém sabe – nessas horas em que a dignidade se refaria se tivéssemos uma oficina de consertos ou uma sala de costuras – nessas horas: pensa-se. Assim: começa-se do ponto exato em que se estiver, mesmo que não seja de tarde; só de noite é que não aconselho.

Uma vez por exemplo – no tempo em que mandávamos roupa para lavar fora – eu estava fazendo o rol. Talvez por hábito de dar título ou por súbita vontade de ter caderno limpo como em escola, escrevi:  rol de… e foi nesse instante que a vontade de não ser séria chegou. Este é o primeiro sinal do animus brincandi, em matéria de pensar-como-hobby. E escrevi esperta: rol de sentimentos. O que eu queria dizer com isto, tive que deixar para ver depois – outro sinal de se estar no caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.

Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?

Mas devo avisar. Às vezes começa-se a brincar de pensar, e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco. Não é bom. É apenas frutífero.

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Malásia publica lista de nomes inapropriados

O governo da Malásia publicou uma lista para impedir que pais deem nomes tidos como inapropriados a seus filhos.

A iniciativa tem como objetivo combater a tradição de dar nomes às crianças com a intenção de “combater maus espíritos” e uma prática relativamente mais recente de adultos trocarem seus nomes por alternativas pouco ortodoxas.

Boa parte da lista foi discutida com autoridades de diferentes religiões do país, de muçulmanos a budistas, e proíbe nomes como Karrupusamy, que significa “deus negro”, ou Sor Chai, que significa “louco”.

Também foram proibidos nomes ofensivos ou pouco auspiciosos para as crianças, como Choe Tow, que significa “cabeça fedida”, ou Woti, palavra usada para “relação sexual”.

Nomes ocidentais tirados dos livros de História, como Hitler, e de filmes, como 007, também foram proibidos.

Na prática, ficou proibido dar aos filhos nomes de animais, vegetais ou frutas, além de números, nomes ofensivos ou pouco ortodoxos, como o de marcas de carros japoneses – outra prática que se encontrava no país.

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Sempre sonhei* chegar sozinho a uma cidade estrangeira, sozinho e desligado de tudo. Teria vivido humildemente, miseravelmente até. Mas, antes de tudo, teria mantido o segredo. Sempre me pareceu que falar de mim mesmo, mostrar-me tal como sou, agir em meu nome, era justamente trair algo meu, e o mais precioso. O quê? Trata-se provavelmente de um sinal de fraqueza, uma falta daquela força necessária a todo ser para não apenas existir como também afirmar sua existência. Não sou mais ingênuo, já não acredito que essa enfermidade de nascença seja uma superioridade da alma. Mas sobrou o gosto pelo secreto. Escondo ações insignificantes pelo prazer de ter uma vida só para mim.
     Uma vida secreta. Não uma vida solitária, mas uma vida secreta. Por muito tempo acreditei que esse era um sonho realizável. Uma vida solitária é uma utopia. 

* Resigno-me a dizer “eu”, mas não tenho maior fé na sinceridade do “eu” do que no distanciamento do “ele” dos romancistas.

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É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda vida conjuga o desejo da própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.

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     O céu é o teatro natural de fenômenos meteorológicos e astronômicos violentos e inquietantes, mas também majestosos e tranquilizadores: relâmpagos e raios, trovões, arco-íris, auroras, estrelas cadentes, cometas, eclipses, a visão grandiosa do céu estrelado, a sucessão das fases da Lua e dos nasceres e pores do sol.
[…]
     Para a maioria das civilizações antigas, o céu era um mundo paralelo ao nosso, habitado por deuses, monstros e heróis, todos coléricos e temperamentais. Os astros eram divindades que interferiam na nossa vida. Cabia aos sacerdotes, em nome do povo, presidir os rituais para aplacar a ira ou conquistar a benevolência dos deuses.
Julgado hoje, um modelo mítico do Universo será considerado ingênuo. Porém, mais importante do que o adjetivo mítico é o substantivo modelo. Tanto hoje como no passado, modelo significa “esquema mental para organizar ou explicar as observações”.
     O Homem toma conhecimento do mundo ao seu redor por intermédio dos cinco sentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato. Mas esse conhecimento sensorial é, em si, fragmentário e caótico. Ele sente então uma necessidade compulsiva de ordenar esse caos, para o qual elabora esquemas mentais, ou modelos. Sentir essa necessidade não é privilégio do Homem civilizado, mas faz parte do Homem de todos os tempos.
     Hoje, a busca por explicações é tarefa do cientista, mas esse trabalho é a continuação da velha e infindável procura de esquemas cada vez mais adequados para explicar o Universo e os novos fatos nele desvendados.

     (…) a ciência se aproxima do mito muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo Homem, e não necessariamente a melhor.” (P. Feyerabend, Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. p. 447.)

     A ciência moderna admite que a causa de um fenômeno é natural e faz parte das próprias coisas nele envolvidas. Ao explicar um fenômeno, a ciência moderna usa essa causa para descrever como o fenômeno ocorre. Mas ela jamais será capaz de desvendar essa causa, pois é insondável. A gravidade permite descrever como os corpos caem, mas ninguém conhece a sua natureza.

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Tentem reconstruir um diálogo de sua própria vida, o diálogo de uma briga ou um diálogo de amor. As situações mais caras, as mais importantes, ficam perdidas para sempre. O que sobra delas é seu sentido abstrato (eu defendi esse ponto de vista, ele defendeu outro; fui agressivo, ele foi defensivo), eventualmente um ou dois detalhes. Mas o concreto acústico-visual da situção em toda a sua continuidade fica perdido.
     E não apenas fica perdido, mas nem ao menos nos surpreendemos com essa perda. Ficamos resignados com a perda do concreto no tempo presente. Transformamos de imediato o momento presente em sua abstração. Basta contar um episódio que vivemos há poucas horas: o diálogo se encolhe num breve resumo, o ambiente, em alguns dados gerais. Isso é válido até mesmo para as lembranças mais fortes que, como um traumatismo, se impõem ao espírito: ficamos de tal modo fascinados por sua força que não nos damos conta de como seu conteúdo é esquemático e pobre.
     Se estudamos, discutimos, analisamos uma realidade, a analisamos tal qual ela aparece em nosso espírito, em nossa memória. Só conhecemos a realidade do tempo passado. Não a conhecemos tal qual ela é no momento presente, no momento em que acontece, no momento em que é. Ora, o momento presente não se parece com sua lembrança. A lembrança não é a negação do esquecimento. A lembrança é uma forma de esquecimento.
     Podemos manter assiduamente um diário e anotar todos os acontecimentos. Um dia, relendo as notas, compreendemos que elas não são capazes de evocar uma só imagem concreta. E, pior ainda: que a imaginação não é capaz de socorrer nossa memória e de reconstruir o esquecido. Pois o presente, o concreto do presente, como fenômeno a ser examinado, como estrutura, é para nós um planeta desconhecido; não sabemos portanto nem como retê-lo em nossa memória nem como reconstrui-lo pela imaginação.
     Morremos sem saber o que vivemos.

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A morte é um espelho que reflete os vãos gestos da vida. Toda essa variada confusão de atos, omissões, arrependimentos e tentativas – obras e sobras – que é cada vida encontra, na morte, não um sentido ou uma explicação, mas um fim. Face a ela nossa vida se desenha e se imobiliza. Antes de desmoronar e fundir-se no nada, esculpe-se e toma forma imutável: só mudaremos para desaparecer. Nossa morte ilumina a nossa vida. Se faltou sentido à nossa morte é porque a nossa vida também não o teve. Por isso, quando alguém morre de morte violenta, costuma-se dizer: ’’ele procurou por isso’. E, certamente, cada um de nós morre da morte que procura, da morte que fez para si. A morte de um cristão ou a morte de um cão são maneiras de morrer que refletem maneiras de viver.

Se a morte nos trai e morremos de um jeito ruim, todos se lamentam: é preciso morrer como se vive. A morte é intransferível, como a vida. Se não morremos como vivemos é porque realmente não foi nossa a vida que vivemos: não nos pertencia, como não nos pertence o azar que nos mata. Dize-me como morres e te direi quem eras.

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Conflito é uma palavra muito abrangente. Todos os escritores se interessam por conflitos. Me interesso mais pelo que está em jogo num conflito do que pelo próprio conflito. Além disso, posso dizer que gosto de uma gama muito grande de coisas, e isso é importante para mim: não gosto de me restringir a um tema só, nem de fazer duas vezes a mesma coisa. Mas claro que há preocupações que surgem e retornam em meu trabalho.
     Acho que gosto de olhar para as coisas de que, num primeiro momento, tendo a desviar os olhos. É que sei que, na verdade, meu desconforto é maior quando procuro ignorá-las. Então, no caso de Ruanda, o desafio era pegar essa terrível matança que muitas pessoas dizem ser impensável, inimaginável e inarrável, e tentar encontrar um jeito de pensar sobre ela, de imaginá-la, de falar sobre ela claramente, cuidadosamente e com muito respeito por sua complexidade. Me preocupa muito a urgência jornalística de explicar simplificando, reduzindo tudo em seus elementos mais básicos. Há histórias que você só pode compreender respeitando sua complexidade. Isso implica entrar dentro das histórias, circular por lá, penetrar mesmo nos lugares que mais nos convidam a ignorar. Ser ignorado é precisamente o que as pessoas que mais fazem outras pessoas sofrer desejam, e eu não gosto de ver esse tipo de gente alcançar seus objetivos!

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