Estava muito intrigado pela ideia de que uma pessoa só pode descobrir seus aspectos positivos se encontrar alguém que as revele. A gente se torna melhor vivendo para alguém. Ao lutar, Maria descobre a humildade. Fiz vários filmes depois de Confiança, e todos eles mostram a mesma coisa: pessoas que se educam a si mesmas, como Maria. Insisto muito nessa necessidade de conhecimento e também sobre a humildade. Deveríamos nos lembrar de que não sabemos tudo e que é impossível aprender tudo. Apesar disso, a luta para saber é essencial. Essencial para mudar seu mundo e para aliviar a dor.
Faço filmes para estudar como as pessoas tomam decisões. Para mim é a única definição válida da moral. Não se pode escapar a considerações éticas quando se tenta simplesmente olhar para a maneira pela qual as pessoas tomam decisões. A ética se resume realmente a isso, a partir de certo ponto.
A única coisa sobre a qual todas as religiões estão de acordo é que nada mudará enquanto os seres humanos não se erguerem acima de seu egoísmo. Aqui, uma garota sofre por causa de seus erros, de ideias erradas e do que lhe aconteceu. Tudo isso a destrói. Queria examinar como é possível se aproximar da santidade sem ser religioso. Ao mudar, ela muda as pessoas em torno de si. Pode-se definir um santo desta maneira: alguém que consegue modificar os outros apenas modificando-se a si mesmo.
guilherme
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Sou um ano mais velho do que o seu correspondente e sinto-me jovem pelas razões exatamente opostas às dele. Tenho trinta e oito anos e sinto-me mais novo cada ano, porque todos os anos estou mais próximo de nunca ter realizado coisa alguma na vida. S realização envelhece-nos. Tudo tem o seu preço: o preço da realização é a perda da juventude. Só a falta de objetivos e um modo de vida inconsequente – se a palavra “modo” pode ser aplicada a uma tal ausência de rumo – nos mantém jovens. Não me casei e por isso mantive livre tanto dos prazeres especiais como dos cuidados próprios dessa espécie de parceira; e o bem e o mal desse estado são igualmente envelhecedores. Nunca assentei numa profissão ou num rumo de vida, nem sequer numa opinião que durasse mais que o minuto passageiro em que foi defendida. Nunca tive uma ambição que um belo dia (e Lisboa tem sobretudo dias belos, em todas as estações) ou um vento leve que não dissipassem e reduzissem a um sonho agradável e acidental. Nunca fiz um esforço real atrás de coisa alguma, nem apliquei fortemente a minha atenção exceto a coisas fúteis, desnecessárias e ficcionais. Sinto-me jovem porque tenho vivido dessa maneira.
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Você tem medo de fazer amor comigo
Você tem medo de acordar com um bandido
E ver no espelho escrito com batom:
– Tchau, trouxa, foi bom!
Você não sabe de onde eu tiro o meu dinheiro
Você não sabe o que eu faço o dia inteiro
E esse mistério destrói a nossa paz
Ah, não posso mais
Não me pergunte nada, me deixe apenas vendo
Seu corpo lindo vindo para mim
E não se esconda tanto pois o seu corpo chama
Um outro corpo solto sobre o seu que eu bem sei
É o meu
Você suspeita que eu não seja um bom sujeito
E não entrega seu amor a um suspeito
Mas mesmo tentando jamais conseguirá
Não me desejar
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Não conheço nada, em todo o Drama, mais incomparável, do ponto de vista da Arte, ou mais sugestivo em sua sutileza de observação, do que o retrato que Shakespeare faz de Rosencrantz e Guildenstern. Eles são os amigos de colégio de Hamlet. Foram seus companheiros. Trazem consigo recordações de dias agradáveis passados juntos. No momento em que o encontram na peça, Hamlet está cambaleando sob o peso de um fardo intolerável para uma pessoa de seu temperamento. Os mortos saíram da sepultura para impor-lhe uma missão, simultaneamente muito grande e demasiado cruel para ele. Hamlet é um sonhador, e é chamado à ação. Tem uma natureza de poeta, e é chamado a misturar-se com as vulgares complexidades de causa e efeito, com a vida em sua realização prática, da qual nada sabe, não com a vida em sua essência ideal, da qual sabe bastante. Ele não tem a menor ideia do que fazer, e sua loucura é fingir-se louco. Brutus usou a loucura como uma capa para esconder a espada de sua finalidade, o punhal de sua vontade, mas para Hamlet a loucura é uma mera máscara para esconder a fraqueza. Ele vê nas graças e caretas uma oportunidade de adiar as coisas. Ele continua a jogar com a ação como um artista joga com uma teoria. Faz-se o espião das próprias ações e, ao ouvir suas próprias palavras, sabe que não são senão “palavras, palavras, palavras”. Em vez de tentar ser o herói de sua própria história, busca ser o espectador da própria tragédia. Descrê de tudo, inclusive de si mesmo, e contudo sua dúvida não o ajuda, pois não provém do ceticismo mas de uma vontade dividida.
De tudo isso Guildenstern e Rosencrantz nada sabem. Inclinam-se e troçam e riem, e o que um diz, o outro repete com desagradável reiteração. Quando, por fim, graças à peça dentro da peça e ao namoro dos fantoches, Hamlet “captura a consciência” do rei e afasta o miserável homem de seu trono, Guildenstern e Rosencrantz não veem em sua conduta mais do que uma quebra bastante dolorosa da etiqueta da corte. Isso é tudo o que eles são capazes de atingir ao “contemplarem o espetáculo da vida com emoções adequadas”. Estão fechados ao seu segredo nada conhecem dele. Nem valeria a pena contar-lho. São copos pequenos, que conseguem conter um tanto e nada mais.
Mais para o fim da peça, sugere-se que, pegos numa armadilha inteligentemente armada por outra pessoa, encontraram, ou pode ser que tenham encontrado, uma morte súbita e violenta. Mas um fim trágico desse tipo, ainda que tocado, por intermédio do humor de Hamlet, com um pouco da surpresa e da justiça da comédia, não é para pessoas como eles. Eles nunca morrem. Horatio, que, para “narrar corretamente Hamlet e sua causa aos insatisfeitos”,
O afasta da felicidade durante algum tempo,
E, neste mundo cheio de dureza, respira de dor,
morre, embora longe do público, e não deixa nenhum irmão. Mas Guildenstern e Rosencrantz são tão imortais quanto Ângelo e Tartufo, e deveriam estar no mesmo nível deles. São a contribuição da vida moderna para o antigo ideal de amizade. Quem escrever uma nova De amicitia tem de encontrar um lugar para eles e louvá-los em prosa tusculana. São tipos fixados para sempre. Censurá-los mostraria falta de gosto. Estão apenas fora de sua esfera: é tudo. Não há contágio no que respeita à sublimidade da alma. Pensamentos elevados e emoções elevadas são, por sua própria natureza, isolados. Aquilo que a própria Ofélia não era capaz de compreender não haveria de ser compreendido por “Guildenstern e o gentil Rosencrantz”, por “Rosencrantz e o gentil Guildenstern”.
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Pessoal intransferível,
Faz tempo que temo perguntar isto (faz tempo que temer e tremer são verbos diários, solidários):
“O que foi que nos aconteceu?”
“Nada”, respondem a solidão e o medo.
“Nada”, dizem os dias que passam.
Apenas em mim mora essa equivocada pergunta, essa pergunta que é meu erro e meu crime.
Talvez até peça perdão um dia, por formulá-la. E, em nome dos velhos tempos, talvez venha até a obtê-lo. E, como filha pródiga, possa voltar ao morar daquele filme que fizemos juntos, o “Nenhum a menos”.
Sei, no entanto, que no momento sou mesmo uma criminosa, uma dissidente. E no meio do caminho o que vejo sem parar é uma pedra no meio do caminho, uma pedra no meio do caminho, uma pedra. E que nunca me esquecerei.
Aqui fora está muito frio, mas é de fato aqui fora que moro agora.
Aqui fora a confiança é pouca. Tudo é pobre. Mas é aqui fora que vivo agora.
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Quem deseja passar bem por portas abertas deve prestar atenção ao fato de elas terem molduras firmes: esse princípio, segundo o qual o velho professor sempre vivera, é simplesmente uma exigência do senso de realidade. Mas se existe senso de realidade, e ninguém duvida de que ele tenha justificada existência, tem de haver também algo que se pode chamar senso de possibilidade.
Quem o possui não diz, por exemplo: aqui aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer isto ou aquilo; mas inventa: aqui poderia, deveria ou teria de acontecer isto ou aquilo; e se lhe explicarmos que uma coisa é como é, ele pensa: bem, provavelmente também poderia ser de outro modo. Assim, o senso de possibilidade pode ser definido como capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser, e não julgar que aquilo que é seja mais importante do que aquilo que não é. Vê-se que as consequências dessa tendência criativa podem ser notáveis, e lamentavelmente não raro fazem parecer falso aquilo que as pessoas admiram, e parecer permitido o que proíbem, ou ainda fazem as duas coisas parecerem indiferentes. Essas pessoas com senso de possibilidade vivem, como se diz, numa teia mais sutil, feita de nevoeiro, fantasia, devaneio e condicionais; crianças com essa tendência são educadas para se libertarem dela, e lhes dizemos que tais pessoas são utopistas, sonhadores, fracos, e presunçosos ou críticos mesquinhos.
Quando os queremos elogiar, também chamamos esses loucos de idealistas, mas obviamente tudo isso apenas se relaciona aos espécimes frágeis, que não podem entender a realidade, ou talvez fujam dela; portanto, pessoas nas quais a ausência de senso de realidade é uma falha. Mas o possível não abrange apenas os sonhos de pessoas de nervos fracos, e sim os desígnios divinos ainda desconhecidos. Uma experiência possível, ou uma verdade possível, não são iguais à experiência real e verdade real menos o valor da realidade; ao contrário, ao menos do ponto de vista de seus seguidores, têm em si algo divino, um fogo, um voo, um desejo de construção e uma utopia consciente, que não teme a realidade mas a trata como missão e invenção. Afinal, a Terra não é tão velha, e aparentemente nunca foi muito abençoada. […]
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Ponto sem nó
você não dá
ponto sem nó
ponto cruz
ponto cheio
ponto ajour
jura que não
vive sem nós
mas nunca diz
a que veio
mon amour
nosso enredo enrolado
todo emaranhado
tecido por linhas tortas
foi desfiado
a trama é toda sua
personagem principal
quanto a mim
resta o papel vilão
do ponto final
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Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
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Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
– Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas… E riu. Você não é bugre? – ele continuou. Que sim, respondi. Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas – Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os araticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.
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Justiça vidente
As minhas palavras de pedra
Hoje as quero rolando pelas ladeiras
Nas mãos dos moleques de rua,
Rompendo telhados de vidro
Dos antigos maus vizinhos, das caras da cor da lua
Quero as palavras de pedra pelas ruas da cidade.