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Que te dizer? Várias coisas me ocorrem. Que, apesar de atordoada, não fiquei exatamente surpresa com o que você me contou. Ou “decepcionada”. Me refiro à sua antipropaganda de si próprio. Posso dizer que lamento, sinceramente, que você esteja tão descontente consigo mesmo e com sua vida. Mas nosso “repertório” comum – Fernando Pessoa, José Régio, Hal Hartley… – não é composto propriamente de gente contente, certo? De modo que, quando eu te disse que gostava de você e confiava em você, eu estava levando em conta a enorme dose de escuro que, obviamente, nos cerca. Não sabia se você era o homem elefante, por exemplo. Ou um jogador inveterado em fim de linha. Ou um pai de família infeliz no casamento. Ou um Marlon Brando. Ou… as hipóteses eram quase infinitas.
     Mas, por trás desse escuro, eu via, sempre, algo que me encantava. O quê? Talvez a palavra seja: interlocutor. Capacidade de ouvir e responder ao que ouviu. Coisa que sua carta, por mais porrada que tenha sido (e foi!), apenas confirmou. Acho que você ouve – o que não é pouca coisa. Acho que você escreve se expressando, usa a palavra pra se expressar – o que também não é pouca coisa. Para mim. Meu modo particular de ser louca preza muito (talvez demais) isso. 
E chego à parte da sua mensagem que me incomodou de fato. Que é a história do “nós”. De jeito nenhum me sinto parte de um “clube de eleitos”, muito menos de um clube de “sensíveis à arte”. Quando digo “nós”, Josué, estou usando uma palavra com uma longa história pessoal. Não saberia resumir o que “nós” quer dizer para mim e para as algumas pessoas com quem venho construindo minha vida. Pra não me alongar demais, resumo assim: quando digo “nós”, Josué, não estou fechando nada: estou abrindo. Por isso usei a palavra confiança, e quis tanto te mandar o filme pelo correio: para mim, essa é uma palavra-chave, que abre um horizonte de troca entre pessoas e bichos diferentes entre si, porém com algo, essencial, em comum: a vontade sincera de chegar ao outro. E isso, Josué, eu senti logo de cara nas suas mensagens, e continuo sentindo.
     É isso. Quanto à internet: ótimo que ela seja uma janela pra você.
     Espero que possa (queira) me ver através dela.

Tapas e Beijos
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