Cabeçada excepcional na bola e, de repente, o gol inesperado foi marcado, in extremis: estamos salvos. Cabeçada no tórax do adversário, e de repente o cartão vermelho, o abatimento, as lágrimas e a saída de campo: estamos danados.
O herói trágico, para além dos contrários, desafia nossas esperanças, e ao mesmo tempo se define na afirmação de um caráter épico que tem asperezas com as quais nós podemos nos identificar e através das quais podemos sofrer com ele mas também, às vezes, partilhar sua vitória.
O gesto de Zidane sacrifica a vitória humana, o sucesso imediato no jogo humano, em prol de sua dignidade trágica. A explicação que deu, em entrevista na televisão, confirma esse gesto sacrificial: ele não lamenta nada embora peça perdão por tudo, e não se permite nem mesmo contar qual foi o insulto que ouviu.
[…]O herói é forçosamente incompleto, tocado por um sentimento que subitamente o enternece ou pela cólera que o põe fora de si. Mas é essa incompletude que o leva para além de si mesmo. Esse sacrifício imuniza sua imagem contra a fadiga, a uniformidade, o fechamento do sentido. A fraqueza heroica de Zidane faz toda a força de uma história mítica que agora pode ser contada. A epopeia abriu-se com o cartão vermelho: talvez se fale da cabeça de Zidane como do calcanhar de Aquiles, dimensão frágil e mortal, parte inacabada e, portanto, infinita de seu corpo de glória.