92

a)

Tantas palavras
Que eu conhecia
E já não falo mais, jamais
Quantas palavras
Nossas palavras
Quem falou não está mais aqui.

b)

Meu coração, meu coração
Meu coração parece que perde um pedaço
Mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo.

Tapas e Beijos
Fonte


91

Por trás de muitas das emocionantes palavras de líderes como o presidente Barack Obama, executivos de grandes empresas e personalidades está uma crescente indústria de criadores de discursos.
Aqueles que não contam com seu próprio time, como Obama na Casa Branca, pagam, em média, US$ 10 mil por discurso (em torno de R$ 17,4 mil). Há casos em que um único texto pode valer até US$ 25 mil.
Os pagamentos refletem a rápida comercialização da arte do discurso, numa época em que a simples fala de um líder pode marcar para sempre a sua carreira e uma palavra dita por um executivo pode afundá-lo.
[…]
De acordo com Vinca LaFleur, a empresa trabalha com nomes conhecidos no mundo dos negócios, da filantropia, do entretenimento e da política.
[…]
Na avaliação de Ryan Clancy, diretor de discursos do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, “discursos são uma excelente ferramenta, que servem como uma peça central para ampliar estratégias de comunicação. Geralmente, as pessoas erram ao pensar que um discurso é apenas parte de um único evento. Se é feito da maneira correta, um bom texto pode ajudar, fixando a mensagem desejada por dias ou até semanas”.
[…]
“Os discursos ganharam mais visibilidade nos últimos anos. Se tornaram muito mais profissionais e há cada vez mais empresas abrindo para comercializá-los”, disse à BBC Brasil Elias Wolfberg, advogado que abandonou o direito há três meses para dedicar-se exclusivamente a escrever discursos.
“Quando políticos falam em público, eles têm a oportunidade de mudar as pessoas e fazer com que elas  tomem ação. Isso é muito poderoso e real.”
De acordo com Clancy, todos os bons discursos têm alguns ingredientes em comum.
“O primeiro e o mais importante elemento é um pouco clichê, no entanto, verdadeiro: você precisa contar uma história”, diz Clancy.
“Você pode ter todos os fatos e detalhes no mundo, mas nada disso irá importar se não for apresentado em uma história atrativa. Um dos meus colegas na West Wing tinha um ditado: as pessoas nem sempre lembrarão exatamente o que você disse num discurso, mas elas lembrarão como você fez eles se sentirem. […].”

Tapas e Beijos
Fonte

90

A câmara da torre está apagada.
Mas eles iluminam seus rostos com sorrisos.
Tateiam diante de si como cegos e encontram o outro como uma porta. Quase como crianças assustadas diante da noite, apertam-se um ao outro. No entanto nada temem. Não há nada contra eles: nenhum ontem e nenhum amanhã, pois o tempo desmoronou. E eles florescem das suas próprias ruínas.
Ele não pergunta: “Teu marido?”
Ela não pergunta: “Teu nome?”
Encontram-se, na verdade, para serem um para o outro, uma nova estirpe.
Darão um ao outro cem nomes novos, e tornarão a tirá-los todos, um do outro, de leve, como se tira um brinco de uma orelha.

Tapas e Beijos
Fonte

89

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
— Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

— Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles . . .
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

—Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.

Tapas e Beijos
Fonte

88

     De repente, eu vejo ser tirado do curral o “Estrela”, um velho boi de carro, negro, com uma mancha branca na testa. O “Estrela” fazia junta com o “Moreno”, um outro boi negro; e ambos, além de carreiros, lavravam também.
     Foi o boi conduzido para junto da estrebaria e vi que um marinheiro, de machado em punho, o enfrentava e ia desfechar-lhe um golpe na cabeça.
     Tive a visão rápida dos seus serviços e dos seus préstimos, pois era de ver a paciência, a resignação do “Estrela”, quando, atrelado com o seu companheiro de junta, cavavam, com auxílio do arado, na encosta íngreme do morro, por detrás do convento, fundos sulcos que iam receber as manivas dos aipins e a rama da batata-doce.
     A vista era daí soberba – toda a parte anterior da Guanabara, o Corcovado, as fortalezas, o zimbório da Candelária, a barra, o mar sem fim, a cidade inteira entre verdura e dourada pelo sol do poente…
     “Estrela”, porém, não via nada daquilo. Sob o aguilhão do condutor, cavava resignadamente, docemente, tristemente, os sulcos no barro duro, para fazer render mais as sementes que a terra ia receber.
     Quando vi que o iam matar, não me despedi de ninguém. Corri para casa, sem olhar pra trás.

Tapas e Beijos
Fonte

87

a)

     O que a memória consciente preservou de Olinda foi um mínimo de vida e de gente. Eu me lembro de pouquíssimas pessoas. Por exemplo: – vejo uma imagem feminina. Mas é mais um chapéu do que uma mulher. Em 1913, mesmo meu pai e minha mãe pareciam não ter nada a ver com a vida real. Vagavam, diáfanos, por entre as mesas e cadeiras. Depois, eu os vejo parados, com uma pose meio espectral de retrato antigo. Mas nem meu pai, nem minha mãe falavam. Eu não os ouvia. O que me espanta é que essa primeira infância não tem palavras. Não me lembro de uma única voz. Não guardei um bom-dia, um gemido, um grito. Não há um canto de galo no meu primeiro e segundo ano de vida. O próprio mar era silêncio.

b)

     Quando topamos um craque de bola no meio da rua, vestido à paisana, andando como a gente anda, falando como a gente fala, nós, amadores, sempre nos atrapalhamos. Viramos idiotas. Certa vez fui apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquetei de colocar a mão no ombro do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão. Formiga tinha sido um dos meus melhores botões, apesar de meio oval, um botão de galalite, vermelho.

Tapas e Beijos
Fonte

86

 Há sempre um canto, muitos, esperando atrás da voz de uma canção.
     Olho os ombros do cantor, percebo sua posição: atrás, um caminho; de frente, ele corre, braços abertos, em busca da nossa afeição.
     Acho que é só isso, uma coisa que se faz e que se declara feita: retrato do que se vê, no presente, do passado, projetando para o futuro.      

E sempre entre eu e você.
     Esta coisinha que você está olhando aqui é um presente.
     O passado que vi é meu, mas olhei para ele através do espelho das canções aqui transcritas.
     O futuro é: a estrada. Com você, pronome aqui muito pessoal.
     Em outras palavras: partir palavras, e reparti-las.
     Pra que um canto não fique assim tão sozinho no seu canto.

Tapas e Beijos
Fonte

85

a)
Pafunça
Pafunça, Pafunça
Pafunça, que pena, Pafunça
Que a nossa amizade virou bagunça

O teu coração sem amor
Se esfriou, se desligou,
Até parece, Pafunça
Aqueles alevador
Que tá escrito “Não fununça”
E que a gente sobe a pé
E pra me judiar, Pafunça,
Nem meu nome tu pronunça.

b)
Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”

Tapas e Beijos
Fonte

84

     Deslocar-se pode pois querer dizer: transportar-se para onde não se é esperado, ou ainda e mais radicalmente, abjurar o que se escreveu (mas não, forçosamente, o que se pensou), quando o poder gregário o utiliza e serviliza. Pasolini foi assim levado a “abjurar” (a palavra é dele) seus três filmes da Trilogia da vida, porque ele constatou que o poder os utilizava – sem, no entanto, lamentar havê-los escrito: “Penso, diz ele num texto póstumo, que antes da ação não se deve nunca, em nenhum caso, temer uma anexação por parte do poder e de sua cultura. É preciso comporta-se como se essa perigosa eventualidade não existisse… Mas penso também que, depois, é preciso saber perceber até que ponto se foi utilizado, eventualmente, pelo poder. E então, se nossa sinceridade ou nossa necessidade foram servilizadas ou manipuladas, penso que é absolutamente preciso ter a coragem de abjurar.”

Tapas e Beijos
Fonte

83

a)
[…] este trapo não é mais que o desdobramento, é o sutil prolongamento das unhas sulferinas da primeira prostituta que me deu, as mesmas unhas que me riscaram as costas exaltando minha pele branda, patas mais doces quando corriam minhas partes mais pudendas, é uma doida pena ver esse menino trêmulo com tanta pureza no rosto e tanta limpeza no corpo, ela me disse, é uma doida pena um menino de penugens como você, de peito liso sem acabamento, se queimando na cama feito graveto; toma o que você me pede, guarda essa fitinha imunda com você e volta agora logo pro teu nicho, meu santinho, ela me disse com carinho, com rameirices, com gargalhadas […]

b)
Minha filha, minha irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos longe, em viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis, entre véus,
Desses turvos céus
Para mim têm todo o encanto
Cruel e singular
Do teu falso olhar
Brilhando através do pranto.

Lá, tudo é ordem, nitidez,
Luxo, calma e languidez.

Tapas e Beijos
Fonte