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     – Não sei bem o que o senhor entende por glória – disse Alice.
Humpty Dumpty sorriu com desdém.
     – Claro que você não sabe, até eu lhe dizer. O que quero dizer é: “eis aí um argumento arrasador para você.”
     – Mas glória não significa “um argumento arrasador” – objetou Alice.
     – Quando uso uma palavra – disse Humpty Dumpty em tom escarninho – ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique… nem mais, nem menos.
     – A questão – ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes
     – A questão – replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso.

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Inesquecível


     São 9h20 da noite. Enquanto o avião desliza nervosamente sobre o nordeste da Pennsylvania, não consigo pensar em nada além de memórias. O presente está suspenso; o futuro é meramente estatístico. A esta altitude, o Passado é a única coisa que realmente possuímos.
     Por medo, talvez, sempre que tomo um avião sozinho, brinco assim: fecho meus olhos, fingindo estar dormindo, e tento voltar tão longe quanto possível em meu passado… o nascimento de meu filho, o dia em que levei um tiro, minha primeira viagem a Nova Iorque, minha avó falando com suas panelas.
     Muitas vezes consigo me lembrar direitinho até do tempo em que nada tinha nome e tudo estava imerso num leitoso nevoeiro marrom e amarelo.
     Minha mãe segurando os dedos de minha mão esquerda numa posição incômoda, me ensinando a lembrar o número três… É como se, sabendo minha idade, minha história tivesse começado, e também minha memória. Foi também com três anos que tomei consciência da fotografia, e de como ela suspendia o passado. Posso dizer isso simplesmente observando o jeito como eu “posava” nessa idade. Mal posso me reconhecer em fotografias mais antigas – minha falta de familiaridade com o ato fotográfico fazia de mim um objeto meramente convencional; sem querer, mal consigo me ver como realmente era.
     Em Câmera clara, Roland Barthes nos fala de sua desesperada “busca” por sua mãe entre as fotografias que ela deixou depois de morrer. Nesses retratos, ele só conseguia reconhecer fragmentos dela. “Assim, a fotografia me impeliu a uma dolorosa tarefa; ao me esforçar em captar a essência de sua identidade, eu estava lutando entre imagens parcialmente verdadeiras e portanto totalmente falsas.” Após uma longa e cansativa busca, ele finalmente a encontrou numa jovem posando com seu irmão em frente a um jardim de inverno. “Estudei a moça e por fim redescobri minha mãe. A distinção de seu rosto, a ingênua atitude de suas mãos, a posição que tomou docilmente sem se mostrar ou se esconder e, finalmente, sua expressão, que a distinguia nitidamente da histérica menininha, da boneca sem graça brincando de crescer – tudo isso constituía a figura da inocência soberana”.
     Através da imagem fotográfica podemos lembrar o passado com riqueza de detalhes – uma propriedade que condiciona a ambos, tema e fotógrafo, no processo do próprio ato fotográfico. Um registro “para a eternidade”. O impulso de melhorar a imagem do presente (quando ele for o passado, no futuro) prevalece, fazendo da fotografia uma coleção de memórias internacionais, humores domesticados e cenários editados.
     Fabrica-se um passado perfeito por meio de uma coleção exclusiva de “bons momentos”. (“Maus momentos” só são cultivados – e estetizados – na arena especializada do fotojornalismo de massa.)
     A fotografia possibilita “compartilhar o passado” com grande facilidade. Contudo, ao olhar para fotografias íntimas de pessoas é impossível reagir emocionalmente com a exata correspondência. Embora a fotografia possa preservar com infinitos detalhes a factualidade de cada momento, esses detalhes são ainda incapazes de trazer de volta o “sentimento” do próprio momento. A fotografia pasteuriza o presente. Na maior parte das vezes, nós revivemos emoções passadas com mais facilidade através de encontros casuais com imagens não específicas. Como aconteceu um dia com Proust, quando, ao se debruçar para tirar suas botas, veio-lhe subitamente o verdadeiro rosto de sua avó, “cuja realidade viva eu estava sentindo pela primeira vez, numa involuntária e completa memória”. Uma imagem qualquer pode também trazer de volta um momento por muito tempo enterrado no passado sedimentário de nossa memória. Então, mesmo se não conhecemos as pessoas ou o lugar retratado na foto, ainda assim podemos encontrar, por vezes, uma inexplicável razão pessoal para reagir.
     Nossa contínua coleta e disseminação de momentos fotográficos chega a uma reestruturação técnica, à criação de uma recordação visual acumulada. O conceito de memória compartilhada foi catalisado num conceito científico de história: somos levados a crer numa memória comum e num passado homogêneo. Nada pode ser mais reconfortante. Esses momentos transcendentais, folhas do álbum da Família do Homem, contam com um tipo de inocência pré-fotográfica, uma absoluta ignorância do ato fotográfico em si. Como se nunca houvesse uma câmera filmando, como se um momento real tivesse acontecido – uma autoria de mão leve, um objeto onipresente.
     Será possível que a fotografia, a mais moderna de todas as mídias, funde seu desenvolvimento como expressão artística centrando-se em tão retrógrada noção? Será possível que essa “inocência” constitua a única vantagem diferencial que a fotografia deveria perseguir? O artista atrás da câmera é o fazedor de genéricas memórias, de madalenas universais. Muito além de registrar a presença física do tema, a câmera registrará um humor, um sentimento, como se fotografasse a própria memória. Ao artista não cabe registar os fatos, mas sim a gama das possibilidades. 
     Agora são 10h15. O avião mal aterrissa sobre a pista bloqueada pela neve. Como que voltando de uma fotografia, retomo minha presença provisória. Paro de rememorar. Está frio lá fora. No estacionamento do aeroporto, um velho Buik tem um para-choque onde se lê:

EM UM MILHÃO DE ANOS ISSO NÃO FARÁ A MENOR DIFERENÇA.

     Num piscar de olhos saco minha câmera da mala e tiro uma foto.

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    O de que mais gosto num filme é sentir o tempo passando numa cena. Sempre deveria haver lugar para o tempo. Um filme deve respirar naturalmente. Quando a gente sai, coloca uma armadilha para a realidade, de modo a persuadi-la a conformar-se ao estado de espírito que preparamos para ela. Estamos relaxados, atentos, não engajados. As coisas acontecem quando acontecem. Somos exatamente tão espertos e tão estúpidos quanto os peixes. Podemos sair quando quisermos, em qualquer direção, e às vezes deparamos com um momento mágico. É o que buscamos, mas não devemos ser muito gulosos, ou muito seguros de nós mesmos.
     A experiência nos diz que esses momentos existem. Em nosso trabalho, estamos providos de nosso instinto, de nossos olhos e de nossos ouvidos. Nos concentramos tanto no espaço vazio quanto no espaço ocupado. Observamos o silêncio e o barulho. Confiamos nos presentes ilimitados do acaso, e no entanto o lugar onde nos encontramos não é necessariamente fruto do acaso. O momento surge bruscamente, quando não nos surpreendemos com sua aparição. Eis-nos aqui. Estamos prontos para capturá-lo, aceitá-lo. Não sabemos aonde ele nos levará. Seguimos a corrente, olhamos aonde ela quer ir e o que quer fazer da gente. Nós a observamos enquanto toma forma e se junta, mas é preciso captá-la enquanto ainda está acontecendo, antes que esteja muito definida. Estamos apaixonados. Um sentimento nos sacudiu, tentamos percebê-lo durante sua passagem superficial, mas temos medo de perdê-lo compreendendo-o bem demais.

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     Não há psicanálise sem risco, e o risco da sedução precisa entrar nela, muito embora seja um dos mais sérios neste empreendimento. Mas é possível aceitá-lo sem fugir dele, ao contrário de Don Juan, que incendiava o coração das belas para safar-se na manhã seguinte. O analista contribui com toda a certeza, com sua pessoa e com sua posição na situação analítica, para desencadear fenômenos da ordem da sedução, e isto tanto no paciente quanto em si mesmo. Toda a gama destes fenômenos vai desfilar entre o divã e a poltrona: fantasia de seduzir o analista por parte do paciente, sedução da atenção exclusiva por parte do analista; segredos e trejeitos por parte do paciente, interpretação gratificante por parte do analista – e gratificante, por vezes, apesar do conteúdo manifesto do seu enunciado; busca do domínio do desejo do analista por parte do paciente, que quer sair da situação analítica e realizar suas fantasias na “realidade exterior”, autossatisfação envaidecida do analista por ter obtido este ou aquele resultado com uma interpretação; docilidade aparente do paciente, que às vezes sonha o que o analista espera que ele sonhe, docilidade aparente do analista, que suprime a manifestação de suas emoções em nome da neutralidade a priori benevolente… Mas, se a análise é a análise da transferência – e a análise silenciosa da transferência do analista sobre seu paciente se inclui aí – o analista não vai abandonar a partida, nem se servir do poder de sedução para assujeitar o desejo do outro. Movido pela sedução, ele pode contorná-la ou entrar nela, jogando uma de suas facetas contra a outra – carícia e trauma, ela pode funcionar de várias maneiras no delicado jogo da interpretação. Mas é certo que o analista não é senhor da sedução, nem da sua, nem daquela que sobre ele é exercida.
     Se tiver sorte, o psicanalista pode ajudar seu paciente a descobrir que ninguém é indispensável para que o outro possa viver, que ninguém é indispensável como objeto de amor, a começar por ele mesmo e a terminar pela pessoa do paciente. E assim se explica algo que vocês devem ter notado: que, ao falar da sedução na situação analítica, nos afastamos um pouco da ópera de Mozart. Dela, a cena que mais lhe conviria é aquela em que Donna Elvira, resolutamente convicta de que está falando com seu amado Don Giovanni, faz as mais ardentes declarações de amor a Leporello: figuração plástica da grandeza e da miséria da transferência. Um pouco de interpretação selvagem: não estaria eu, apesar dos grandes elogios ou talvez por causa deles, procurando afastar o personagem do analista do personagem de Don Juan?  Pois não resta dúvida de que, embora Mozart o tenha transformado num símbolo pregnante, o cavalheiro andaluz continua a exalar um certo perfume de enxofre… É possível; e seria ainda mais sedutor, porque implicaria vocês – ouvintes e leitores desta conferência – numa manobra de reconforto narcísico perfeitamente donjuanesca: nós aqui e ele lá.  Não deixa de ser atraente atribuir ao psicanalista o papel de um Don Juan menos brutal e menos autoritário, imaginando que a faísca que ele transmite às virgens que seduz encontre algum paralelo no movimento da análise. Não é por coqueteria nem por receio de denegrir a psicanálise que o paralelo não será feito: é preciso saber, como dizem os franceses, jusqu’où aller trop loin, até onde se pode ir longe demais. O analista que, complacente com seu próprio narcisismo, se identificasse com o fidalgo a ponto de esquecer que deve unicamente à troca transferencial das capas e dos chapéus a aura com que cinge seu paciente/Elvira – este analista faria bem em reler uma nota que o Comandante incluiu em O Ego e o Id:

     [O êxito da terapia] talvez dependa também da medida em que a pessoa do analista possibilita que o paciente o coloque na posição de seu ideal do ego, o que acarreta a tentação de desempenhar junto ao paciente o papel de profeta, salvador de sua alma ou redentor. Mas como as regras da análise repelem decididamente tal utilização da personalidade do médico, é honrado confessar que aqui deparamos com uma nova limitação para a eficácia da análise. Esta não deve tornar impossível quaisquer reações patológicas, mas criar para o Eu do paciente a liberdade de decidir-se assim ou de outra maneira.

     E é nesta singela diferença que a análise de separa da sedução.

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60

     A primeira atitude do homem diante da linguagem foi de confiança: o signo e o objeto representado eram a mesma coisa. A escultura era uma cópia do modelo; a fórmula ritual uma reprodução da realidade, capaz de reengendrá-la. Falar era re-criar o objeto aludido. A pronúncia exata das palavras mágicas era uma das primeiras condições para sua eficácia. A necessidade de preservar a linguagem sagrada explica o nascimento da gramática, na Índia védica. Porém, ao cabo dos séculos, os homens perceberam que entre as coisas e seus nomes abria-se um abismo. As ciências da linguagem conquistaram sua autonomia tão logo cessou a crença na identidade entre o objeto e seu signo. A primeira tarefa do pensamento consistiu em fixar um significado preciso e único para os vocábulos; e a gramática se converteu no primeiro degrau da lógica. Mas as palavras são rebeldes à definição. E ainda não cessou a batalha entre a ciência e a linguagem.
     A história do homem poderia se reduzir à história das relações entre as palavras e o pensamento. Todo período de crise se inicia ou coincide com a uma crítica da linguagem. De imediato se perde a fé na eficácia do vocábulo: “Tive a beleza em meus joelhos e era amarga”, diz o poeta. A beleza ou a palavra? Ambas: a beleza não é palpável sem as palavras. Coisas e palavras sangram pela mesma ferida. Todas as sociedades passaram por crises de suas bases que são sobretudo crises do sentido de certas palavras. Esquece-se com frequência que, como todas as outras criações humanas, os Impérios e os Estados estão feitos de palavras: são feitos verbais. No livro XIII dos Anais, Tzu-Lu pergunta a Confúcio: “Se o Duque de Wei te chamasse para administrar seu país, qual seria a tua primeira medida? O Mestre disse: A reforma da linguagem.” Não sabemos por onde começa o mal, se nas palavras ou nas coisas; quando, porém, as palavras se corrompem e os significados se tornam incertos, o sentido de nossos atos e de nossas obras também é inseguro. Nietzsche inicia sua crítica dos valores enfrentando das palavras: o que querem realmente dizer virtude, verdade ou justiça? Ao desvendar o significado de certas palavras sagradas e imutáveis – precisamente aquelas sobre as quais repousava o edifício da metafísica ocidental –, minou os fundamentos dessa metafísica. Toda crítica filosófica se inicia com uma análise da linguagem.

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    Mire veja: se me digo, tem um sujeito Pedro Pindó, vizinho daqui mais seis léguas, homem de bem por tudo em tudo, ele e a mulher dele, sempre sidos bons, de bem. Eles têm um filho duns dez anos, chamado Valtei – nome moderno, é o que o povo daqui agora apreceia, o senhor sabe. Pois essezinho, essezim, desde que algum entendimento alumiou nele, feito mostrou o que é: pedido madrasto, azedo queimador, gostoso de ruim de dentro do fundo das espécies de sua natureza. Em qual que judia, ao devagar, de todo bicho ou criaçãozinha pequena que pega; uma vez, encontrou uma crioula benta-bêbada dormindo, arranjou um caco de garrafa, lanhou em três pontos a popa da perna dela. O que esse menino babeja vendo, é sangrarem galinha ou esfaquear porco. – “Eu gosto de matar…” – uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça – o voo já está pronto! Pois, o senhor vigie: o pai, Pedro Pindó, modo de corrigir isso, e a mãe, dão nele, de miséria e mastro – botam o menino sem comer, amarram em árvores no terreiro, ele nu nuelo, mesmo em junho frio, lavram o corpinho dele na peia e na taca, depois limpam a pele do sangue, com cuia de salmoura. A gente sabe, espia, fica gasturado. O menino já rebaixou de magreza, os olhos entrando, carinha de ossos, encaveirada, e entisicou, o tempo todo tosse, tossura da que puxa secos peitos. Arre, que agora, visível, o Pindó e a mulher se habituaram de nele bater, de pouquinho em pouquim foram criando nisso um prazer feio de diversão – como regulam as sovas em horas certas confortáveis, até chamam gente para ver o exemplo bom. Acho que esse menino não dura, já está no blimbilim, não chega para a quaresma que vem… Uê-uê, então?! Não sendo como compadre meu Quelemém quer, que explicação é que o senhor dava? Aquele menino tinha sido homem. Devia, em balanço, terríveis perversidades. Alma dele estava no breu. Mostrava. E, agora, pagava. Ah, mas, acontece, quando está chorando e penando, ele sofre igual que se fosse um menino bonzinho...

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     Você e eu também temos a personalidade que aparece e os seus fundos, e quem vê nossa cara (que é o nosso avesso, como escreveu a Clarice Lispector) nem sempre adivinha a confusão que tem lá atrás. Os pratos voando, o xingamento, a fumaça. Por trás de cada ato e cada frase dita há uma engrenagem oculta e todo o mundo é só a ponta visível do seu próprio iceberg, cuja extensão pouco varia, seja você intelectual ou manicure. A cara que apresentamos aos outros é como o prato que chega bem montado na mesa, sem vestígio do turbilhão em que se originou. Se os outros vão aceitá-lo ou mandá-lo de volta à cozinha é outra história.
     Uma peça de teatro ou um filme também são como o salão de um restaurante, o resultado apresentável de uma retaguarda cuja complexidade e desorganização nem se imagina. A cozinha com vitrine equivale à incorporação dos bastidores à peça, a todo filme ter junto o seu “making of” e ao turbilhão interior de cada um estar na cara.
O que não é totalmente ruim. Existe um certo prazer estético em conhecer o outro lado, como o avesso de uma tapeçaria em que se vê o mesmo desenho da frente mas com as costuras e as sobras de linha à mostra – e que muitas vezes tem mais caráter do que o lado certo. Caráter, afinal, é isso: costuras e sobras de linha aparecendo. Inclusive as nossas.

[…]

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57

Os sábios perfeitos da Antiguidade eram tão agudos,
tão subtis, tão profundos e tão universais que não se podia conhecê-los.
Não podendo conhecê-los, era necessário esforço para os compreender:
Eram prudentes, como quem passa um vau no Inverno;
Hesitantes, como quem teme os seus vizinhos;
Reservados como um convidado;
Instáveis como o gelo que funde;
Concentrados como o tronco de madeira bruto;
Extensos como o vale;
Turvos como a água lamacenta.
Quem sabe pelo repouso passar pouco a pouco do escuro ao claro?
E, pelo movimento, da calma à atividade?
Quem quer que preserve em si uma tal experiência não deseja ser satisfeito.
Não estando satisfeito, pode experimentar o habitual e renovar-se.

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56

Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bian Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?

Tapas e Beijos
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55

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade)

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