Maria Cecilia Loschiavo dos Santos chegou até o morador de rua no viés de uma outra pesquisa. Há quase 20 anos, dedica-se ao estudo do design e, especialmente, do mobiliário da casa burguesa.
“Comecei a ficar impressionada com a forma como as pessoas jogavam os móveis fora. É muito comum encontrar cadeiras e sofás descartados nas calçadas”, conta. “Fui seguindo a rota desses objetos abandonados e me deparei com muitos dos chamados clássicos do design entre cobertores, colchões e sobras de outros produtos industriais nas casas dos moradores de rua, que eles próprios definem como mocós.” Nas andanças sob as pontes, viadutos, a pesquisadora identificou pernas, assentos e encostos de móveis famosos. “Vi muitos pedaços de poltronas Charles Eames, de cadeiras de aglomerado laqueado de Geraldo de Barros. Identifiquei restos das cópias da Poltrona Mole, assinada por Sérgio Rodrigues, da poltrona Sacco criada por Gatti, Paolini e Teodoro, entre tantos outros dispersos a esmo pela cidade, compondo criativamente um outro espaço, desenhando uma nova paisagem urbana.” Nesse contexto, Maria Cecília viu os clássicos passarem por um processo de demistificação. “O fetiche que envolvia esses objetos que denotavam a ascensão social tinha se dissipado. Comecei a perceber um antidesign entre os moradores de rua, que também não deixa de ser uma cultura criativa nascida da luta pela sobrevivência.”