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    O de que mais gosto num filme é sentir o tempo passando numa cena. Sempre deveria haver lugar para o tempo. Um filme deve respirar naturalmente. Quando a gente sai, coloca uma armadilha para a realidade, de modo a persuadi-la a conformar-se ao estado de espírito que preparamos para ela. Estamos relaxados, atentos, não engajados. As coisas acontecem quando acontecem. Somos exatamente tão espertos e tão estúpidos quanto os peixes. Podemos sair quando quisermos, em qualquer direção, e às vezes deparamos com um momento mágico. É o que buscamos, mas não devemos ser muito gulosos, ou muito seguros de nós mesmos.
     A experiência nos diz que esses momentos existem. Em nosso trabalho, estamos providos de nosso instinto, de nossos olhos e de nossos ouvidos. Nos concentramos tanto no espaço vazio quanto no espaço ocupado. Observamos o silêncio e o barulho. Confiamos nos presentes ilimitados do acaso, e no entanto o lugar onde nos encontramos não é necessariamente fruto do acaso. O momento surge bruscamente, quando não nos surpreendemos com sua aparição. Eis-nos aqui. Estamos prontos para capturá-lo, aceitá-lo. Não sabemos aonde ele nos levará. Seguimos a corrente, olhamos aonde ela quer ir e o que quer fazer da gente. Nós a observamos enquanto toma forma e se junta, mas é preciso captá-la enquanto ainda está acontecendo, antes que esteja muito definida. Estamos apaixonados. Um sentimento nos sacudiu, tentamos percebê-lo durante sua passagem superficial, mas temos medo de perdê-lo compreendendo-o bem demais.

Tapas e Beijos
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