Não há psicanálise sem risco, e o risco da sedução precisa entrar nela, muito embora seja um dos mais sérios neste empreendimento. Mas é possível aceitá-lo sem fugir dele, ao contrário de Don Juan, que incendiava o coração das belas para safar-se na manhã seguinte. O analista contribui com toda a certeza, com sua pessoa e com sua posição na situação analítica, para desencadear fenômenos da ordem da sedução, e isto tanto no paciente quanto em si mesmo. Toda a gama destes fenômenos vai desfilar entre o divã e a poltrona: fantasia de seduzir o analista por parte do paciente, sedução da atenção exclusiva por parte do analista; segredos e trejeitos por parte do paciente, interpretação gratificante por parte do analista – e gratificante, por vezes, apesar do conteúdo manifesto do seu enunciado; busca do domínio do desejo do analista por parte do paciente, que quer sair da situação analítica e realizar suas fantasias na “realidade exterior”, autossatisfação envaidecida do analista por ter obtido este ou aquele resultado com uma interpretação; docilidade aparente do paciente, que às vezes sonha o que o analista espera que ele sonhe, docilidade aparente do analista, que suprime a manifestação de suas emoções em nome da neutralidade a priori benevolente… Mas, se a análise é a análise da transferência – e a análise silenciosa da transferência do analista sobre seu paciente se inclui aí – o analista não vai abandonar a partida, nem se servir do poder de sedução para assujeitar o desejo do outro. Movido pela sedução, ele pode contorná-la ou entrar nela, jogando uma de suas facetas contra a outra – carícia e trauma, ela pode funcionar de várias maneiras no delicado jogo da interpretação. Mas é certo que o analista não é senhor da sedução, nem da sua, nem daquela que sobre ele é exercida.
Se tiver sorte, o psicanalista pode ajudar seu paciente a descobrir que ninguém é indispensável para que o outro possa viver, que ninguém é indispensável como objeto de amor, a começar por ele mesmo e a terminar pela pessoa do paciente. E assim se explica algo que vocês devem ter notado: que, ao falar da sedução na situação analítica, nos afastamos um pouco da ópera de Mozart. Dela, a cena que mais lhe conviria é aquela em que Donna Elvira, resolutamente convicta de que está falando com seu amado Don Giovanni, faz as mais ardentes declarações de amor a Leporello: figuração plástica da grandeza e da miséria da transferência. Um pouco de interpretação selvagem: não estaria eu, apesar dos grandes elogios ou talvez por causa deles, procurando afastar o personagem do analista do personagem de Don Juan? Pois não resta dúvida de que, embora Mozart o tenha transformado num símbolo pregnante, o cavalheiro andaluz continua a exalar um certo perfume de enxofre… É possível; e seria ainda mais sedutor, porque implicaria vocês – ouvintes e leitores desta conferência – numa manobra de reconforto narcísico perfeitamente donjuanesca: nós aqui e ele lá. Não deixa de ser atraente atribuir ao psicanalista o papel de um Don Juan menos brutal e menos autoritário, imaginando que a faísca que ele transmite às virgens que seduz encontre algum paralelo no movimento da análise. Não é por coqueteria nem por receio de denegrir a psicanálise que o paralelo não será feito: é preciso saber, como dizem os franceses, jusqu’où aller trop loin, até onde se pode ir longe demais. O analista que, complacente com seu próprio narcisismo, se identificasse com o fidalgo a ponto de esquecer que deve unicamente à troca transferencial das capas e dos chapéus a aura com que cinge seu paciente/Elvira – este analista faria bem em reler uma nota que o Comandante incluiu em O Ego e o Id:
[O êxito da terapia] talvez dependa também da medida em que a pessoa do analista possibilita que o paciente o coloque na posição de seu ideal do ego, o que acarreta a tentação de desempenhar junto ao paciente o papel de profeta, salvador de sua alma ou redentor. Mas como as regras da análise repelem decididamente tal utilização da personalidade do médico, é honrado confessar que aqui deparamos com uma nova limitação para a eficácia da análise. Esta não deve tornar impossível quaisquer reações patológicas, mas criar para o Eu do paciente a liberdade de decidir-se assim ou de outra maneira.
E é nesta singela diferença que a análise de separa da sedução.