Você e eu também temos a personalidade que aparece e os seus fundos, e quem vê nossa cara (que é o nosso avesso, como escreveu a Clarice Lispector) nem sempre adivinha a confusão que tem lá atrás. Os pratos voando, o xingamento, a fumaça. Por trás de cada ato e cada frase dita há uma engrenagem oculta e todo o mundo é só a ponta visível do seu próprio iceberg, cuja extensão pouco varia, seja você intelectual ou manicure. A cara que apresentamos aos outros é como o prato que chega bem montado na mesa, sem vestígio do turbilhão em que se originou. Se os outros vão aceitá-lo ou mandá-lo de volta à cozinha é outra história.
Uma peça de teatro ou um filme também são como o salão de um restaurante, o resultado apresentável de uma retaguarda cuja complexidade e desorganização nem se imagina. A cozinha com vitrine equivale à incorporação dos bastidores à peça, a todo filme ter junto o seu “making of” e ao turbilhão interior de cada um estar na cara.
O que não é totalmente ruim. Existe um certo prazer estético em conhecer o outro lado, como o avesso de uma tapeçaria em que se vê o mesmo desenho da frente mas com as costuras e as sobras de linha à mostra – e que muitas vezes tem mais caráter do que o lado certo. Caráter, afinal, é isso: costuras e sobras de linha aparecendo. Inclusive as nossas.