O azar não é lógico. Isso é que o torna desesperador. A pessoa sai de casa, bem com a sua consciência, com as faculdades mentais em perfeita ordem, os músculos, os nervos, tudo bem governado, atravessa a rua como um cidadão correto, observando o sinal, e quando chega do outro lado, apanha na cabeça um tijolo que um operário, inocente, deixou cair do sétimo andar de uma construção.
Naturalmente, todo o mundo tem refletido sobre as razões secretas dessas coisas inexplicáveis. E foi assim que, com o correr do tempo, se chegou à caracterização de um certo número de fatos e objetos que servem de prenúncio ao azar: espelhos quebrados, relógios parados, sal entornado na mesa, sapato emborcado, tesoura aberta, gato preto, mariposas, sexta-feira dia treze, mês de agosto, gente canhota e estrábica, vestido marrom, para só falar dos principais.
Penetrando mais no estudo de todas essas superstições, pessoas entendidas têm procurado explicá-las pelas correlações existentes com as crenças do paganismo, estas por sua vez baseadas no empirismo e na ignorância dos nossos antepassados, e assim por diante, o que não impede que as pessoas ainda hoje se benzam, quando bocejam, para que o Demônio não lhes entre pela boca; e não cruzem a mãos, quando se cumprimentam, para não atrapalharem algum matrimônio, e não se deitem com os pés para a rua, e não façam muitas outras coisas, só pelo medo das suas consequências ocultas. Outras pessoas, igualmente entendidas, dão rumo diverso aos seus estudos, descobrem o entrelaçamento das causas e efeitos universais, chegam até a afirmar que tudo quanto nos acontece nesta encarnação é fruto remoto de encarnações anteriores, e respeitam o que diz um provérbio oriental – que o simples roçar da roupa de um passante, na nossa roupa, é indício de alguma proximidade de vidas, em tempos imemoriais.
E há os que seguem o caminho dos astros, e com uma circunferência, umas retas, uns planetas, uns cálculos, dizem e predizem os nossos destinos, com todas as suas inesperadas trajetórias. E há os que leem nas linhas das mãos, e contam as nossas viagens, os nossos padecimentos de fígado, o que vamos fazer daqui a vinte anos, e o minuto em que empalidece a nossa estrela…
Está claro que creio em tudo isso. Eu justamente creio em tudo. Creio até no contrário disso. A minha faculdade de crer é ilimitada. Não compreendendo por que as pessoas creem numas coisas e noutras não. Tudo é crivei.
Principalmente o incrível. Não estou fazendo paradoxo. A vida é que já é por si mesma paradoxal, desde que seja vista não apenas pela superfície.