[No Japão,] os pauzinhos têm muitas outras funções, além da de transportar a comida do prato à boca (que é a menos pertinente, já que é também a dos dedos e dos garfos), e essas funções lhes são exclusivas.
Primeiramente, os pauzinhos – sua forma já o diz – têm uma função dêitica: eles apontam a comida, designam o fragmento, determinam o existir do alimento pelo gesto mesmo da escolha (como o dedo indicador). A partir daí, no entanto, a ingestão dos alimentos não segue uma sequência maquinal, na qual os comensais se limitariam a engolir pouco a pouco as partes de um todo. Ao designar o que escolhem (ao escolher isto em vez daquilo), os pauzinhos introduzem no hábito alimentar não uma ordem mas uma fantasia, talvez até uma malícia; uma operação inteligente e não mecânica.
Outra função dos dois pauzinhos é a de pinçar o fragmento de comida (e não a de agarrá-lo, como fazem os garfos). Pinçar é, aliás, uma palavra forte demais, agressiva demais (é a palavra das mocinhas sonsas, dos cirurgiões, das costureiras, dos melindrosos); pois os pauzinhos nunca imprimem ao alimento uma pressão superior à estritamente necessária para erguê-lo e transportá-lo. No gesto dos pauzinhos há algo de maternal (também, ou ainda mais, por sua matéria – madeira ou laca): ele tem a moderação exata e delicada com que pegamos uma criança; trata-se de uma força (no sentido operatório do termo), não de uma pulsão. Revela-se aí todo um comportamento em relação à comida, ainda mais evidente nos longos pauzinhos do cozinheiro, cuja função é preparar os alimentos sem jamais furá-los, cortá-los, fendê-los, feri-los: os verbos que praticam as duas longas hastes são erguer, virar, transportar.
Pois os pauzinhos (terceira função), quando têm que dividir, separam, afastam ou apertam, mas não cortam nem agarram, como fazem nossos talheres. Os pauzinhos jamais violentam o alimento: ou o desembaraçam pouco a pouco (no caso das verduras) ou o desfazem (no caso dos peixes, das enguias), redescobrindo assim as fissuras naturais da matéria (e nisso são muito mais próximos de nossos dedos primitivos do que das facas).
Por fim – e esta é talvez sua mais bela função –, os dois pauzinhos transferem a comida: cruzados como duas mãos, suporte e já não mais pinça, eles deslizam sob o floco de arroz e o suspendem até a boca do comensal; e, num gesto milenar que se repete em todo o Oriente, fazem escorregar a neve alimentar da tigela até os lábios, como uma pá.
Em todos esses usos, por todos os gestos que implicam, os pauzinhos se opõem à nossa faca (e a seu substituto predador, o garfo): são o instrumento alimentar que se recusa a cortar, a agarrar, a mutilar, a furar (gestos muito limitados, relegados à preparação do prato: o peixeiro que esfola diante de nós a enguia viva exorciza de uma vez por todas, num sacrifício preliminar, o assassinato da comida). Por causa dos dois pauzinhos, a comida já não é uma presa sobre a qual exercemos violência (carnes sobre as quais nos arremetemos), mas uma substância harmoniosamente transferida. Os pauzinhos transformam a matéria previamente dividida em comida para pássaros, e o arroz em fluxo de leite; maternais, eles remetem incansavelmente ao gesto do biscato, deixando aos nossos costumes alimentares, armados de espetos e de facas, o gosto da rapina.